11. A Ofensa
Jingle bell, jingle bell, jingle bell rock, Jingle bells swing and jingle bells ring…
Ah, corta essa. Não gosto de Natal, bate uma melancolia nessa época do ano. E já não chega ter que ouvir essa música quando passo por qualquer lojinha que tenha aquele Papai Noel balançando na frente, agora tenho que ouvir aqui?
Podia ser pior. Podia ser “Então é Natal...”
Essa me lembra o excelente conto da Larissa Brasil na antologia “Amores Fatais”, que editei para o selo Safra Vermelha da Avec Editora. Querem um conto de Natal arrepiante? Procurem “Areia Movediça” no livro “Amores Fatais”. Ainda dá tempo de comprar o ebook antes das 23h59 do dia 24.
Ok. Depois da indicação desse conto sangrento, percebi que você não gosta mesmo do Natal.
O Papai Noel é vermelho, vermelho lembra sangue… sabe como é. E para quem quiser assistir uns filmes de Natal bem criminosos, o site Crime Reads listou alguns deles anos atrás aqui. Meu preferido é “O Sócio do Silêncio”, com Christopher Plummer interpretando um bandidão assustador que se disfarça de Papai Noel.
Boas dicas. Diversão para toda a família (se for a Família Manson). Mas e o que temos para hoje? Creio que seja a última Carta do ano.
Sim, é a última de 2023. Então preparei dois minicontos inéditos (um deles talvez seja um microconto, nunca sei essas definições). Leitura rápida, ninguém tem mais paciência pra nada a essa altura do campeonato. Todo mundo só quer que o ano (ou o mundo) acabe mesmo.
Aposto que você escolheu um tema bem natalino.
Claro. Um tema que adoro: “matadores (nem tão) profissionais”. Aí vão eles…
Barulho
Cesar Alcázar
Carro. Caminhão. Caminhão de lixo. Jamanta. Betoneira. Ônibus. Sirene de ambulância. Sirene de polícia. Sirene de bombeiro. Motosserra. Moto. Motoboy. Moto de playboy. Vendedor de rua. Mendigo bêbado. Pássaros acasalando. Cachorrada do vizinho. Música nos vizinhos. TV alta nos vizinhos. Festa nos vizinhos. Vizinhos brigando. Vizinhos acasalando.
É claro que quando me contratam pra matar alguém, eu mato com muito gosto. Descarrego toda minha raiva no infeliz. Quem sabe um dia mato alguém importante e arrumo grana pra ir embora daqui.
A Ofensa
Cesar Alcázar
Orgulhoso descendente de bandoleiros e matadores, Artur Charão acreditava que a simples menção de seu sobrenome era capaz de fazer qualquer um afrouxar as pernas e pedir clemência. Então parou de atirar e anunciou sua presença aos berros para o homem escondido dentro da casa.
– Quem? – o homem disse.
– Da Família Charão.
Silêncio. Artur pôde ouvir um quero-quero que sobrevoava o matagal onde estava agachado. Como foi errar aquele tiro e deixar o sem vergonha se abrigar? O serviço era bem pago, como fez uma porcalhada dessas?
– Eu disse Charão – repetiu.
– Nunca ouvi falar – veio a voz da casa.
– Como assim, “nunca ouviu falar”? É o Charão, Artur Charão!
– Não te conheço, che.
– Mas de onde tu é?
– Sou de Uruguaiana.
– E nunca ouviu falar nos Charão? A gente andou por tudo nessas bandas.
Mais uma vez silêncio. O quero-quero voltou e deu um rasante na cabeça de Artur, que quase perdeu a bandana. Cuspindo tabaco, municiou o 38. e o 45., herança do avô, e ficou esperando. Nada.
– Mas tu nunca ouviu falar mesmo nos Charão? – disse.
– Che, nunca ouvi e nem vi mais gordo. Tu disse Chorão?
Sentindo o sangue ferver na cabeça, Artur saltou do matagal e correu na direção da casa enquanto descarregava os dois revólveres.
– Pois vai ouvir agora, filho da puta.
Derrubou a porta da frente com um pataço e saiu atirando às cegas até não sobrar nenhuma bala nos tambores. Quando a fumaça do tiroteio clareou, viu o homem estirado no chão de terra. Agonizava. Chegou perto dele.
– E pois fique sabendo que foi Artur Charão que te matou.
– E daí? Grande coisa. Não é como se eu fosse contar por aí.
– Conta no inferno.
O homem riu. Artur botou mais umas balas no 45. e mirou.
– Não – o homem disse –, chega de tiro, por favor.
– Então morre, diabo.
– Calma, eu vou morrer.
O homem arregalou os olhos e a boca.
Mesmo com o infeliz agora morto, Artur não estava satisfeito. Três balaços não pagavam um despeito daqueles. Onde já se viu não conhecer os Charão? Precisava de alguma coisa que fizesse justiça à tradição da família.
Umas semanas depois, na cela da penitenciária, pensou que talvez não tenha sido boa ideia gravar seu nome à faca na testa do falecido.
Era isso, pessoal. Muito obrigado pela companhia em 2023. Espero que tenham se divertido com essas Cartas Perigosas.
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Muito obrigado pela atenção.
Até a próxima,
Cesar